– As coisas vão esquentar um pouco agora… – Dizia a criadora da Tzimisce.
Lady Thanatos assentiu respeitosamente com um mero aceno de cabeça. Não estava com medo. Ela observou calmamente o vai e vem dos mais velhos, sabendo de antemão o que estavam planejando. Não demorou muito para que a pilha de madeira fosse montada e começasse a arder.
“Cheiro de madeira queimando… Lembranças de carne carbonizada.”Lady e os demais estavam de frente para a grande fogueira. As chamas assumindo uma coloração incomum, como se fosse uma tocha gigante refletida do submundo. Elas cresciam em tamanho e intensidade, e a fumaça se espalhava de forma espectral entre todos os presentes. Não tardou para que aquela visão começar a deixar os corpos mortos e malditos incomodados, mas até aquele momento todos se prostraram com firmeza diante do elemental purificador que os convidava maliciosamente a tocá-lo.
“Uma provação para a besta interna. Era de se esperar.”O vampiro que havia tomado a iniciativa em iniciar a fogueira, avançou pra iniciar seu discurso. Era alto, magro e tinha uma aparência levemente peculiar, tanto no estilo quanto nas vestimentas.
– Hoje nascerá aqui na margem deste rio um bando da Espada! Justiceiros destemidos por uma causa maior e pelo bem comum de todos que lutam e defendem a liberdade. Sabemos que é no fogo quente que se forja uma boa espada! Todos vocês são uma pequena espada e juntos formamos uma Espada grande. Mas uma boa espada tem que estar sempre afiada. Hoje, aqueles que tiverem o espírito afiado será reconhecido como um membro verdadeiro da Espada de Caim! E aqui vocês começarão a escrever a sua história na eternidade!! – Essa última frase ele dizia com os braços elevados em uma empolgação e em um tom de voz mais alto, em uma exaltação. E por fim num tom mais brando finalizava: – O novo bando será composto apenas por aqueles que conseguirem sobrepor a fogueira!
Lady Thanatos sentiu-se inspirada pelas palavras do mais velho. Ele certamente discursava bem, e sabia remexer as emoções – embora ela aparentasse a mesma neutralidade de sempre. Nem mesmo a risada sádica que finalizou o discurso deu a ela algum tipo de receio. Ela sabia que estava ali por um motivo. Ela não tinha chegado tão longe por nada.
“Triunfo ou queda. Não há meio termo. Será o que tiver de ser.”Aquele que discursava saltou sobre a fogueira. Sem medo, sem hesitação. Ele saltou, urrou e lá estava ele, tocando o solo novamente com seus pés e mãos. Ele não apenas inspirava com palavras, mas com atos. Isso é digno de respeito, certamente. Havia de fato uma camaradagem no Sabá, mesmo que às vezes implícita. Claro, para algum outro cainita mais idiota ele estava apenas se exibindo, mas Lady Thanatos entendeu o que ele estava fazendo. Afinal, qual o sentido de se gabar para um bando de recém-abraçados como eles?
“A Espada pode ser brutal, mas também é justa.”Os demais vampiros mais velhos seguiram o orador, saltando um atrás do outro. As chamas agora estavam em seu ápice. Ardiam com fúria, expandiam-se com gana. O fogo, apesar de sua natureza destrutiva, era visto pelos mortais como um amigo; algo que trazia aconchego em resposta ao frio e que tornava suas refeições mais gostosas. Mas o problema é que eles não eram mais mortais. Eles eram imortais, mortos-vivos sanguinários, demônios que propagavam a existência profana ao custo da vida de inocentes. O fogo não era amigo. O fogo era contrário à natureza deles. O fogo era um vingador, um purificador, um maldito paladino moralista. A besta interior se debatia em Lady Thanatos, tentando rasgar o corpo morto que usava como vestimenta e fugir de lá, mas sua influência sobre ela acabou por se mostrar mais forte – ao menos ela não havia corrido.
Então o vampiro mais velho, cheirando a cabelos queimados diz: – Podem começar!
Os outros vampiros mais velhos, incluído a criadora de Lady Thanatos começam a atiçar os novatos: – Vamos! Façam! Vocês estão no campo de batalha! Se ficarem onde estão morrem. A única saída está bloqueada pelo fogo! O que fariam? Ficariam aí parados para morrer?!
Era agora o nunca. O momento havia chegado.
“Eu não sou conduzida pela besta. EU SOU A BESTA!”Todo o seu temor subitamente cessou. Ela sorriu. Um humor malicioso tomou conta de sua alma. Era o destino. Se ela tivesse de falhar, falharia, mas ela sabia que o sangue do dragão que corria em suas veias reservava a ela algo mais excitante que um fim ignóbil.
– Pela Espada!– gritou Lady Thanatos, e saltou como alguém que mergulha no oceano. Sentiu o solo em suas mãos e percebeu que não fedia a queimado, não sentia nada arder e não soltava fumaça de parte alguma. Seus coturnos, seu catsuit negro de vinil e seus dreadlocks estavam intactos. O salto havia sido perfeito. Ela se ergueu calmamente ainda ouvindo os comentários dos mais velhos, que se espantavam com a sua coragem, e deixou um sorriso escapar. Talvez houvesse um pouco de ego em tudo isso, no final das contas…
Dos outros nove, três deles saltaram ao lado de Lady Thanatos: Tierre, Juancho e Telma – Lasombra, Brujah e Toreador, respectivamente. Os outros seis acabaram por se acovardar. O medo vermelho dominou suas bestas, e suas bestas por sua vez os dominaram.
Os quatro “premiados” passaram então pelo Valderie, com Lady Thanatos tomando a primeira golada do cálice, por ter sido a primeira dos filhotes a saltar. Logo o pacto fez efeito e, mesmo com sua frieza típica, era possível ver nos olhos dela que havia um sentimento de irmandade, cordialidade e mesmo gentileza pelos outros três novos irmãos.
O orador novamente toma um passo à frente:
– Ainda não acabou. É preciso que haja o batismo de sangue do bando como um corpo único. A Espada não é lugar para covardes. Tragam as cabeças dos covardes. Cada um de vocês deverão ser responsáveis por pelo menos uma cabeça. Não importa se houver ajuda. O que quero dizer é que todos vocês devem ser os responsáveis por pelo menos um golpe final. Se não conseguirem até o amanhecer, é melhor que a luz do sol os tenha...
Era o último passo. Depois de abater os que falharam e se mostraram inaptos à servir a Espada, o bando estaria totalmente consagrado. Lady Thanatos não poderia estar sentindo-se mais plena. Havia sido aceita, demonstrou grande coragem e iniciativa e agora estava prestes a exterminar os fracos e incompetentes com o aval dos anciões.
Sua criadora complementava as palavras do outro cainita: – Eles estão em maior número, mas são cada um por si. Vocês são um bando, um corpo único e estão ligados pelo sangue. Se trabalharem juntos vão descobrir porque a Espada é mais forte que os bastardos da Camarilla! Agora vão!
E por fim ela dizia voltando-se para a sua cria: – Thanatos, você provou ser a mais corajosa. Portanto, lidere-os!
– Sim, senhora.Thanatos sabia que não era eloquente, carismática e tampouco tinha o dom de inspirar e ser boa com palavras, mas se sua criadora disse para liderar, então ela irá liderar. Talvez liderar no sabá tenha mais a ver com culhões do que com palavras bonitas, e uma vez dentro da Espada, deve-se ser implacável e fazer o que for precisa, não importa o que seja.
Ela avançou alguns passos, encarando a mata. Fechou os olhos e inspirou o ar da noite profundamente, fazendo uso dos seus sentidos aguçados. O sangue do dragão tinha sido atiçado. Era hora de caçar.
– Vamos, meus irmãos. Essa é a noite para perseguirmos a nossa glória e deixarmos nossos criadores orgulhosos. Busca e destruição. Varredura metódica. Vamos exterminar os fracos e inaptos. Vamos caçar…Suas presas cresceram e sua língua deslizou pelos seus lábios de uma forma quase pornográfica. Era hora de rastrear as presas…