Chicago Noturna: Forjado em Aço III

Da Praia Miller o povo de Gary pode observar a cidade de Chicago ao longe, como uma sombra em seu horizonte, oprimindo-a com seu poder e pujança. Embora a queda da Princesa do Aço tenha sido consequência de uma série de fatores nacionais e internacionais, os povos de Gary e Chicago se encaram com receio.

Os jovens de Gary se veem forçados a abandonar seus lares natais para ir trabalhar em Chicago, tornando a primeira uma autêntica "cidade dormitório" – a despeito das cidades estarem em estados diferentes. Muito do crime de Chicago vem de Gary, isso não se pode negar. Enquanto os cidadãos de Gary veem Chicago com um misto de rancor e esperança, os habitantes de Chicago olham para Gary com desprezo e desconfiança. Não há amor às margens do Lago Michigan.


SEMEANDO VENTOS

A história da Família em Chicago é conturbada. A cidade foi governada por um Brujah por décadas após sua fundação, mas em 1871 o Grande Incêndio de Chicago criou a oportunidade para o poder mudar de mãos. Desde então o Ventrue Lodin têm dominado a cidade com mãos de ferro.

Sob seu poder, Chicago cresceu e prosperou. Entretanto, um ataque conjunto de lupinos e o Sabá trouxe o caos para a Cidade do Vento – muitos membros morreram.

Agora, um boato tem começado a circular entre os Membros locais: eles dizem que Lodin não tem comparecido aos elísios e não é visto há muitos anos... os anciões são rápidos em negar estes rumores infundados.



A HISTÓRIA ATÉ AQUI

Enviados por Modius para entregar uma carta de desagrado à Lodin, quatro Membros deixam a cidade rumo a Chicago. Sem outras pistas de onde encontrar o Príncipe local, eles vão ao Succubus Club onde obtém pistas importantes de um cainita local. Enquanto o quarteto se separa, Rugall Bernstein segue com o Gangrel Nirn para um bar chamado "The Cave" em busca de Neally, que poderá lhes colocar em contato com seu objetivo.

Ao mesmo tempo, dois Tremere, cada um por suas próprias razões, também buscam pelo líder da Família da Cidade do Vento. Assim, Nicolle Bright e Ramson Winters são direcionados ao mesmo contato.



O "The Cave" ficava em uma rua movimentada no centro de Chicago. Ao lado de uma loja de eletrônicos fortemente barrada, a placa de neon vermelho piscando na porta era a única coisa que indicava o lugar. A despeito da excelente localização, não era um bar da moda, não tinha o requinte que atrai jovens yuppies e nem tampouco a atmosfera rock'n'roll ou punk-rock que atrairia headbangers, motoqueiros ou punks. Modesto, escuro, quase escondido em meio a arranha-céus, butiques e lojas, era só um bar para trabalhadores.

Rugall e Nirn desceram do carro praticamente ao mesmo tempo em que Nicolle e Ramson. Eles não se conheciam, mas reconheciam um ao outro – claramente todos ali buscavam a mesma coisa.

Dois homens saíram do bar, um deles tropeçando e apoiado no outro, resmungando e lamuriando. Vestiam capotes para escapar do frio – a neve não era tão funda, mas os ventos invernais tornavam um simples passeio noturno em um autêntico desafio para os mortais. Ao amanhecer a neve derreteria e a sujeira urbana formaria uma fina camada de lama – graxa e borracha, principalmente – que tornaria aquela calçada em uma armadilha perigosa para qualquer um. Felizmente não estava nevando agora.

Os vampiros tiveram que dar passagem para não colidir com a dupla. Eram homens rudes, barba por fazer, acostumados ao trabalho duro.

Ao entrarem, um corredor de quatro metros e meio, parcamente iluminado, mostrava que o bar não estava nem mesmo na rua. Havia uma câmera semiesférica no teto, permitindo ver todos ali. Um espelho côncavo estava posicionado na outra porta, virado para a entrada. A cada meio metro, em cada lado das paredes, havia uma aldrava antiga de ferro. Cada uma tinha uma figura diferente: leões, gárgulas, sereias...

A porta do lado oposto é uma de vaivém. Ao ser aberta, a dobradiça range horrivelmente – é virtualmente impossível entrar no salão sem chamar a atenção de quem está lá dentro. Um par de altas cabines de madeira está ao longo de uma parede, mas a maioria dos assentos está nas mesas. O bar ao longo da parede próxima é pequeno, mas bem abastecido. Um casal serve como bartenders. O homem é grande e corpulento com alguns cabelos grisalhos, enquanto a mulher uma beleza rechonchuda em seus trinta e tantos anos. Ele dá apenas uma leve olhada para a porta e volta a secar alguns copos, enquanto ela apoia as mãos no balcão e os encara com a cara fechada. É como se dissesse "vocês se perderam?" – de uma forma claramente hostil.


Clássicos de Hard Rock e Heavy Metal tocam nos alto-falantes. Três mesas estão ocupadas, em grupos de três, três e dois. Todos são homens. Riem alto, contam piadas sujas, finalizando cada sentença com um palavrão – diversas variações de "fuck", às vezes acompanhada de outros termos que fariam suas mães corarem. Apontam com o queixo para Nicole e fazem gestos de aprovação, cochichando entre si. Sobre uma mesa próxima, vazia, está abandonado um jornal esfarrapado: Tell It All ("Conte Tudo"). Era um tabloide sensacionalista com notícias do tipo "engravidei do Pé-Grande" ou "minha esposa foi substituída por um alien".

Parados na entrada, eles deviam decidir como proceder.

Chegando em frente ao The Cave Ransom descia do taxi sendo mais uma vez recebido pelo vento frio de Chicago. Caminhou vagarosamente em direção a entrada do bar enquanto observava os arredores, reconhecendo adiante de si dois homens e uma mulher logo após, os três direcionados ao bar por Sir Henry aparentemente com o mesmo objetivo que ele. Entravam em silêncio desviando dos bêbados e observando o lugar com cuidado, Ransom os seguia a uma pequena distância fazendo o mesmo.

Entra no bar caminhando discretamente com as mãos nos bolsos enquanto varre as mesas a sua volta com sua visão sobrenatural tentando identificar cainitas entre os presentes. O cheiro de álcool e suor invade as narinas de Ransom lhe causando uma pequena irritação, ainda não tão acostumado com seus novos sentidos. Após alguns passos, se dirige então à mesa vazia. Se senta e colocando o jornal que antes estava sobre a mesa em frente a seu rosto desviaria a atenção aos membros que havia reconhecido do Succubus club e observaria suas ações.

Considerando o frio, Rugall percebe que é mais prático usar o paletó (de fato, ele deveria estar usando até mais roupa, provavelmente). Deixando o trabalho de coletar informações com o Gangrel, recosta-se em um canto, observando, alheio aos olhares de desprezo. Sua visão especial, entretanto, só consegue distinguir auras brilhantes em todos os presentes – exceto no homem atrás do balcão que, em silêncio, agora dedica-se a limpar o tampo com um pano encardido.

Enquanto isso Nirn parece se dar muito bem com a mulher – até então de cara fechada, você vê ela exibir um sorriso leve. Rugall nota que seu companheiro Gangrel parece muito bem adaptado àquele lugar, como se realmente fizesse parte dali. Ele mesmo é claramente um tipo diferente de pessoa e é por isso que os olhares agressivos se voltam contra ele e não contra o outro. E há os outros dois, que também estavam no Succubus e agora chegavam ali, praticamente junto com a dupla.

Ramson de fato podia notar o escrutínio do vampiro de braços cruzados em um canto, observando o salão, quanto no olhar desdenhoso que os frequentadores voltavam contra o dito cujo. O próprio Tremere havia sido de algum modo beneficiado por isso, pois com seus trajes comuns e sua postura neutra ele praticamente passava despercebido ali.

Diferente da mulher. Nicolle também havia deixado o Succubus Club em busca de Neally e para ao lado do homem barbudo de meia idade (ou pelo menos era sua aparência, já que Nicolle sabia que era um vampiro com ela e podia ser bem mais velho do que aparentava) que ela havia encontrado no clube pouco antes. Ele está de cotovelos sobre o balcão, sentado com tranquilidade, mas vira o rosto de leve quando a Tremere comenta sobre "querer um homem". A bartender nada comenta, entretanto, mas a expressão quase alegre que mostrava para o homem se desvanece ao lidar com a Feiticeira. Ela olha, mas nem toca no dinheiro.

Barmaid

Como estava dizendo ao cavalheiro aqui, não conheço nenhum Neally, moça.

Neste momento o barman intervém, aproximando-se.

Barman

Vocês querem falar com Neally? Pode deixar que eu cuido disso, Maureen.

Ela olha para o colega desconfiada, então dá de ombros.

Maureen

Você que sabe, Fred.

Então se afasta.

Fred	O que querem com ele?

"Fred" apoia as mãos sobre o balcão, demonstrando confiança.

Por mais que Nicolle tente usar seu poder para Dominar Fred, este se mostra muito mais esperto – ele conscientemente evita cruzar seu olhar com a vampira, movendo o rosto para um lado ou outro, como se observasse o bar, de modo intencionalmente displicente.

Fred	É melhor você pensar duas vezes. Horace não iria gostar e Sir Henry com certeza não aprovaria o que está tentando fazer.

Sua voz está irritada – ele claramente ficou com raiva ao perceber as intenções da Tremere e está se contendo. Após alguns instantes com um clima tenso, ele aponta com o polegar para uma porta nos fundos, próxima de outra que, é possível ver, dá acesso ao único banheiro do lugar.

Fred	Sigam por aquela porta, é no fim do corredor. Vocês dois também!

Ele se dirige à Ramson e Rugall, apontando para ambos ao falar a última frase.

Fred não parece incomodado com a aparente "ameaça" de Nicolle, mas também não diz nada. Se limita a observar o cumprimento de Rugall, mas sem nada dizer também. Nirn, em silêncio, apenas acompanha a todos.

Os recém-chegados seguem direto pelo corredor e dão com uma porta fechada. Ao abri-la, veem-se em uma sala de reuniões, mas não há mesa no centro – ela está empurrada em um canto. O lugar é bem grande e seis motoqueiros, todos jaquetas e tachas de metal, estão em círculo, ignorando a presença dos que entraram. Dois homens estão no centro. O primeiro veste um terno refinado e tem um cigarro na boca, o segundo está sem camisa, deitado de costas no chão, braços e pernas acorrentados. O homem com o cigarro está agachado próximo ao segundo, estaca na mão esquerda e um pesado martelo de ferro na mão direita. Antes que possam fazer qualquer coisa, o fumante crava a estaca nas costas do outro, que convulsiona e cospe um pouco de sangue para em seguida ficar imóvel enquanto a gangue grita entusiasmada.

Neste momento um dos motoqueiros percebe a entrada do grupo e entra na frente.

Motoqueiro

Ei, o que estão fazendo?

Ele é enorme e forte. Uma cicatriz cruza sua garganta – ele parece ter ficado bem perto de uma decapitação completa em algum momento e não se preocupa em esconder isso.

Fumante

Está tudo bem, Tyrus. Deixe eles entrarem.

O grandalhão olha para o outro, então para o grupo e por fim se afasta, abrindo um braço em um gesto de convite para que avancem. Os demais estão em silêncio agora, observando-os. Curiosamente, há bem menos hostilidade aqui do que no salão. É mais um misto de indiferença e curiosidade. Não é preciso muito para perceber que não há um único ser vivo ali. Os olhos do homem estacado estão bem ativos, focados nos recém-chegados. O fumante se levanta, ainda segurando o martelo. Sua voz é tranquila, firme, com muita segurança.

Horace Turnbull

Desculpem não ter esperado que vocês chegassem. Sou Horace Turnbull e estes cavalheiros são a Matilha de Ferro. O senhor Tyrus é seu líder.

O da garganta cortada leva a mão ao peito e curva-se de forma respeitosa. Ele não tira os olhos dos novos vampiros em nenhum momento e um sorriso de presas estampa sua face. Há algo selvagem naquele olhar que se repete entre os seus companheiros, que parecem pálidas cópias dele.

Horace Turnbull

Temos uma pequena aposta, um jogo, se quiserem. O senhor Weiss, aqui, afirma que pode escapar daquele baú...

Ele aponta para um baú de aço na extremidade da sala.

Horace Turnbull

... em menos de dois minutos, a despeito de estar estacado e acorrentado. Os cavalheiros aqui afirmam que é possível e estão apostando nele, mas acho isso um absurdo e aposto que ele não vai conseguir – afinal, sabemos que um Membro não pode se mover estacado.

Os motoqueiros sorriem, olhando uns para os outros. Tyrus agora não está sorrindo, a boca fechada com um par de presas despontando para fora. De braços cruzados, ele ainda encara os novos convidados de Horace.

Horace Turnbull

Então, qual a sua aposta?

Horace sorri satisfeito quando Rugall decide apostar em seu ponto de vista, mas não parece tão feliz quando Nicolle se recusa. Nirn também decide não apostar.

Um montante de dez mil dólares é reunido. Apostas feitas, os motoqueiros colocam Weiss no baú e fecham, trancando com cadeado. Uma cortina é colocada sobre ele.

Poucos instantes depois Rugall sente uma mão batendo em seu ombro. Os motoqueiros aplaudem enquanto Horace parece surpreso.

Weiss

Pode me dar licença, por favor?

Ao olhar para trás o Tzimisce vê o homem atrás dele! Ele entra na sala, vindo pela mesma porta por onde vieram, sorridente e calmo. Horace aperta sua mão, reconhecendo a derrota. Assim que Rugall vê mais de mil dólares partindo de seus bolsos.

Dinheiro muda de mãos, apertos de mãos são feitos. Ehrich Weiss pede licença e se retira, acompanhado dos vitoriosos. Mas Tyrus fica para trás, encostado em uma parede, braços cruzados, enquanto Horace senta-se atrás de sua escrivaninha.

Horace Turnbull

Agora... vamos aos negócios. Quem são vocês? De onde vêm? E por que querem falar com o senhor Neally? Ele é um homem ocupado, sabem?

Ao ouvir o nome de Modius e ver a carta, Tytus dá uma sonora gargalhada.

Tyrus

Hahahahaha!

Turnbull apenas dá um leve sorriso de esguelha, olhando para a carta com desprezo, sem mover-se.

Horace Turnbull

Você acha que a palavra dele tem algum peso aqui?

Ele escuta Nicolle e acente.

Horace Turnbull

Muito bem.

Ele pega o telefone na mesa – um aparelho de disco, preto, antigo, mas muito bem cuidado. Disca um número no dial, seus dedos arrastando os números de forma ágil e meticulosa. Após alguns instantes aguardando, alguém atende.

Horace Turnbull

Estou com alguns recém-chegados aqui, de Gary. Sim, esses. Tem uma moça também, uma Tremere. Isso.

Ele escuta com atenção. Então desliga o telefone.

Horace Turnbull

Estão com sorte. Lodin se encontrará com vocês no Field... conhecem Chicago? Museu Field de História Natural. Vou lhes dar o endereço. O encontro é às três horas. Vocês têm algum tempo, mas recomendo não se atrasarem – Sua Alteza é muito criterioso com horários.

O museu ficava ao sul de sua posição, perto do Lago Michigan. Era uma área turística bem conhecida.

Horace Turnbull

O museu está fechado, mas digam ao guarda que vieram encontrar Lodin e ele os deixará entrar. Não incomodem os demais funcionários do museu, certo? Aquele lugar é domínio particular do Príncipe E um elísio.

Tyrus

As festas lá são muito boas. Vocês devem encontrar Sua Alteza perto do tiranossauro, é o favorito dele.

Na parede havia um relógio analógico – não eram nem dez horas ainda, ainda restavam horas até o momento de irem ao ponto de encontro. Naquele momento provavelmente nem conseguiriam entrar no museu – de forma legítima, pelo menos.

Eles podiam decidir o que fazer para preencher o tempo. Ficar no bar? Voltar ao Succubus? Passear pela cidade? Dar um pulo em Gary (era uns trinta minutos de estrada) e voltar depois? Tantas opções. Eles nem precisavam permanecer juntos neste meio tempo, embora a noite em uma cidade desconhecida pudesse ser perigosa.

A moto parou diante do prédio abandonado. Tinha três andares, as janelas e portas haviam sido emparedadas. Uma placa acabada indicava "cervejaria-alguma-coisa". Era impossível ler o nome original do lugar.

Evelyn

Por que anarquistas precisam sempre se encontrar em prédios abandonados? Por que não podemos fazer nossas reuniões em uma danceteria, clube noturno ou mesmo um iate clube? É tão deprê. Está cheio de ratos e baratas nessa porra.

Lyn reclamava após descer da moto de Elizabeth, enquanto tirava o capacete e observava a fachada do lugar.

Gengis sorriu. Ele havia vindo na frente, guiando uma autêntica relíquia: uma pick-up Chevy 3100 de 59.

Gengis

Quando se é de um movimento semi-clandestino, o ideal é a gente se juntar onde as autoridades não saibam. E a agenda de aluguel do iate clube estava cheia.

Evelyn cruza os braços.

Evelyn

E como a gente entra?

Gengis

Pelo teto. Me sigam.

Ele guia a dupla pela lateral, onde a escada de incêndio está visível alguns metros acima. Com agilidade – uma agilidade totalmente não-natural, diga-se – o Brujah salta e agarra a escada, fazendo ela descer ruidosamente, mas enquanto ela caía ele já a escalava com tranquilidade. Estava no seu topo antes desta terminar de descer.

Elas escalaram os três andares com relativa facilidade – embora a escada rangesse e parecesse que ia se soltar a qualquer momento. Subir até o telhado exige um pouco mais de força e cuidado, mas não é impossível, Gengis ajuda-as a subirem se for necessário. Então ele chega a uma porta que deveria estar trancada com cadeado, mas não estava. Ele a abre, revelando uma escadaria escura. Ao descer, chegam ao local que eram os escritórios: um labirinto de salas e corredores que poderia fazer alguém se perder por um curto período de tempo. Como Evelyn temia, o guinchar irritado indica a presença de alguns roedores desagradáveis que havia tomado o lugar como moradia – com certeza as baratas aqui e ali provinham uma dieta balanceada para estas criaturas.

Gengis segue direto, usando uma lanterna para iluminar o caminho. Ele as guia por um longo corredor até chegar a outra escada. Descem-na e chegam ao segundo andar: a fábrica propriamente dita. O lugar está bem iluminado, as lâmpadas estão funcionando bem. As paredes estão cobertas de grafite em alguns pontos. Não é feio, na verdade. Os anarquistas haviam trabalhado no lugar para torna-lo minimamente habitável. Possuía dois andares, mas eles eram conectados por buracos e escadarias – algumas em melhores condições que outras.


Uma mulher estava retocando a tinta de um retrato enorme de Angela Davies com um spray. Ela sorriu ao ver Gengis.

Jamie Madson

Boa noite, Gengis. Você só não está atrasado porque... ó, olá.

Ela nota as outras duas ao se virar da pintura. Uma outra... mulher? Alienígena? Era difícil saber. Uma criatura de pele impossivelmente branca, crânio alongado, orelhas pontiagudas, usando um tomara que caia e uma minissaia que exibiam um corpo magro cheio de manchas pretas que pareciam ter sido feitas a dedo, com outros pontos azuis aqui e ali e sinais que pareciam hieróglifos. Os seios medianos e cintura acentuada sugeriam o gênero. Ela veio para se postar ao lado da grafiteira, mãos postas à cintura, avaliando Lizzy e Lyn.

Ishtar

Quem são suas amigas, Gengis?

Gengis

Boa noite, senhoritas. Essas são Evelyn e Elizabeth. São companheiras. De Gary. Garotas, estas são Jamie Madson e Ishtar. Elas são artistas.

Ishtar

Hm. Somos responsáveis pela identidade visual do Movimento Anarquista em Chicago.

Jamie Madson

Não que estejamos de acordo sobre qual deva ser essa identidade.

Ishtar

É uma divergência filosófica. Vejam, eu entendo que uma vez que não somos mais humanos, deveríamos ter nossa própria arte, livre das amarras da cultura mortal. O que vocês acham?

Tyrus acena levemente com a cabeça em resposta ao agradecimento de Rugall, um sorriso divertido em seu rosto. O Tzimisce e o Gangrel deixam o lugar com tranquilidade.

Nirn	Uma vez que temos tempo, vou resolver umas pendências. Nos encontramos depois.

O ancilla parte, desaparecendo ao virar uma esquina. Sozinho, Rugall retorna ao Succubus. O porteiro parece reconhecê-lo e não impede sua entrada, destravando a fita para que passe. Lá, cercado pela batida intensa do darkwave, ele vê Henry em seu mesmo nicho, ainda cercado pelos mesmos boêmios de antes.

Jamie mantinha os braços cruzados, uma das mãos ainda segurando o spray, um sorriso leve no rosto. Gengis havia encostado em uma parede, relaxado. Eles pareciam mesmo vivos, traziam aquela "aura" de vitalidade – como pessoas normais que você encontra todos os dias.

Mas não Ishtar, que observa fixamente Elizabeth enquanto esta responde. Mãos à cintura, ela não pisca. Nunca. Nem se move. Parece uma estátua. Uma estátua de um ser estranho, meio mulher, meio ET. O corpo não era feio – um pouco magro, mas nada fora do normal. Não era anoréxico. Ishtar não era feia. Era só estranha.

"Inumana" foi o pensamento na cabeça de Elizabeth. Ishtar havia deixado sua Humanidade totalmente para trás. E ela não queria nem mesmo fingir ser uma mortal. Talvez nem soubesse como fazê-lo.

Evelyn parecia um pouco desconfortável. Todos eles ouviram a resposta de Lizzy com atenção. Ishtar então disse algo.

Ishtar

Então você acha que eu deveria parecer mais... "humana"?

A entonação ao dizer a palavra "humana" soava como repugnância por parte de Ishtar.

Evelyn

Tenho certeza de que ela não quis dizer isso, moça.

Ishtar desvia sua atenção para a Brujah.

Ishtar

É mesmo? E o que você acha?

Evelyn

Eu... hã... não acho nada. Não tenho opinião sobre isso. Ainda.

Jamie Madson

Tudo bem, isto está bom. Não vamos resolver isso aqui, Ishtar. E esse debate nunca vai terminar.

Ishtar

Está certa. Mas é divertido debater com você, pelo menos.

Gengis

Certo, certo. Tenho que apresenta-las para o resto do pessoal. Vamos?

Gengis as leva adiante enquanto as duas dão passagem para o trio. Eles descem uma escada de alvenaria que já teve dias melhores, mas ainda parecia firme o suficiente para suportar algum peso. Os outros ocupantes do lugar não estavam prestando atenção neles: cinco pessoas formavam um círculo ao redor de um garoto – um adolescente – negro com um violão de doze cordas. Ao seu lado um menino que não devia ter nem doze anos que mantinha seus olhos no colega. O adolescente começou a tocar e os demais aquietaram-se para ouvi-lo.



Enquanto toca ele nunca olha para o instrumento, observando todos ao redor. Não deixa de notar a chegada de Gengis e suas convidadas e o cumprimenta com um sorriso aberto e um gesto de cabeça, o que faz os demais perceberem a presença do colega e o cumprimentarem também, mas sem interromper a apresentação.

Por fim a música termina e todos aplaudem – inclusive Jamie e Ishtar, no andar superior.

Damien

Obrigado, gente! E aí, Gengis?

Gengis

Opa, tudo firme, Damien? Como vai, Neon?

Neon sussurra um "tudo bem" quase inaudível, mantendo os olhos no chão. Loiro, ele usa uma blusa de flanela que é bem maior que seu corpo pequeno e suas mãos ficam escondidas dentro das mangas.

Damien

Me apresenta aí.

Gengis

Certo. Estas são Elizabeth e Evelyn. Garotas, este é Damien e o carinha ali é o Neon.

Ele sussurra para as duas.

Gengis

Neon é uma criança de verdade, então peguem leve aí se não quiserem o Damien puto.

Evelyn arregala os olhos, um tanto chocada. Então olha para o garotinho com pena. Damien parece perceber o que Gengis disse e a reação da neófita Brujah.

Damien

Uma brincadeira de um dos paus-mandados do Xerife pra me foder pessoalmente.

Neon se aproxima ainda mais de Damien. Os outros cinco permanecem apenas observando. Havia uma tensão no ar, uma pergunta pairava entre aquelas pessoas – quem são essas duas?

Lizzy manteve-se impassivo diante da reação de Ishtar. Ou ela tinha uma inteligência emocional extremamente baixa, ou era uma hárpia que fracassou miseravelmente em uma corte da Camarilla e achava que entre os Anarquistas conseguiria ter mais nome.

A Assamita pensou em responder "Não sou eu quem vai dizer o que você deve fazer.", mas antes que pudesse falar, Eve intercedeu por ela, querendo ficar mais neutra e em cima do muro. Era o melhor pra acalmar Ishtar, mas ficar em cima do muro não ia funcionar pra sempre. Uma hora ela teria que dar uma resposta que satisfizesse alguém e desagradasse outro, ou então, ela seria tão boa oradora que conseguiria agradar todo mundo, mas esse ultimo achava difícil.

No final das contas, Gengis incentivou o avanço, também provavelmente para já avançar e tirar o foco do elefante rosa que Ishtar botou no cômodo. Era melhor assim. Lizzy seguia em silêncio junto com Gengis e Evelyn. Até encontrarem um grupo de outros vampiros de estilos variados em volta de um garoto vampiro e um outro garoto ainda mais novo. Lizzy viu a apresentação e embora não fosse muito fã desse estilo de música, não dava pra negar que o garoto era extremamente bom e tinha uma técnica de mestre.

Lizzy aplaudiu verdadeiramente impressionada com o garoto, embora a expressão de blasé tão comum na Assamita pudesse dar a entender que o fez por educação. Não é verdade, Lizzy só tinha um repúdio enorme em babar o ovo alheio, o que acabava sendo um pouco difícil para ela elogiar os outros, mesmo que elas mereçam. Em outras palavras, a Assamita não era carismática.

Quando Gengis os apresentou, Lizzy assentiu com a cabeça:

- E aí galera!

Gengis escreveu:- Neon é uma criança de verdade, então peguem leve aí se não quiserem o Damien puto.

Ok, nisso Lizzy não tinha como ficar blasé, e evitou ficar encarando Neon, embora o choque desse vontade do contrário. Ok, ele foi abraçado uma criança, isso já era horrível por si só, mas ele ainda era uma criança de verdade em sua cabeça.

Damien escreveu:- Uma brincadeira de um dos paus-mandados do Xerife pra me foder pessoalmente.

A face de tensão de Lizzy mudou pra uma face de repulsa.

- Eu... Eu... Já vi aqueles merdas fazerem coisas horríveis, mas isso... É...

Lizzy não tinha nem palavras pra expressar o que aquilo era. Aquilo era uma coisa que esperava do Sabá.

- Eles dizem que as porras das Tradições são pra ajudar a proteger a Máscara, e aí fazem isso... São uns bostas covardes.

Lizzy via o pequeno Neon ficar mais perto de Damien, pelo que Gengis falava Damien era bem protetor com ele.

- Vocês são irmãos?

E depois da resposta de Damien, ela pergunta:

- Tudo bem, se eu...?

E terminava a frase mais inclinando a cabeça para Neon, querendo dizer que queria cumprimentar o pequeno de forma individual, como se faz com uma criança de verdade. Os dois garotos já devem ser traumatizados e por conta disso não os culparia se Damien preferisse que Lizzy não se dirigisse a Neon ainda. Se compadeceu de verdade pela situação dos dois. Aquilo só motivava Lizzy ainda mais a querer acabar com a porra da Camarilla de uma vez.

Lizzy não dava a minima pra um monte de olhares em cima delas. Ela já esteve em cortes da Camarilla, comparado aos olhares julgativos da corte, as risadinhas no canto de ouvido, as apontadas e tudo mais, aquela atenção era um passeiozinho no parque.