Experiências - v20 - Um começo às cegas

Zé fecha o semblante diante do aviso. Avisa milhares de vampiros no mundo. Isso era alguma coisa.

Ele entendia os sentimentos da mãe, mas devia proteger sua família. Se havia milhares destas criaturas por aí, ele acharia uma – e pediria explicações.

Deixou o banheiro e falou com sua esposa.

Zé Acácio

– Vou preparar a casa da piscina enquanto espero pelo Tonho.

Ele estava frustrado, mas não iria ceder tão fácil. Ele encontraria respostas de algum modo, mas por agora iria apenas preparar um lugar pra dormir e esperar pela polícia.

Marília parecia aceitar melhor a situação agora. Ufa, eu não sabia o que faria sem seu apoio.

Nós vamos à casa da piscina. Felizmente havia algum papelão ali e também tínhamos fita adesiva. Eu também aproveito para pegar uma lona no galpão anexo que fica perto do muro que separa a área residencial do resto da propriedade – lembro que Marília insistiu em ter o muro, pois queria proteção "contra cobras e outros bichos". Moça da cidade... mas ela acabou se ajustando até que bem.

O galpão tinha várias ferramentas, o que era útil. Eu mesmo tinha pouca experiência com essas coisas, mas era o Ildalino que normalmente mexia aqui. Enquanto pego o que preciso, abro uma gaveta e vejo a foto dele com a família. Instintivamente pego a foto e guardo comigo – não sei quanto tempo viverei nestas condições, mas nunca vou esquecer. E um dia espero esfregar esta foto na cara do desgraçado que nos causou tudo isso.

Nós começamos a fechar as janelas com o papelão e a lona, acrescentando fita adesiva. Com uma lanterna nós testamos, com Marília indo do lado de fora e jogando luz nas janelas enquanto eu vejo do lado de dentro se há algum brilho. Parece tudo certo. Considero que talvez deva comprar um caixão... Deus, o que estou dizendo. Bem, dormir em uma caixa protegida faz sentido quando é importante se proteger do sol. Um caixão com reforço de metal e tranca por dentro... o negócio é como vou comprar isso sem dar na cara! Acho que seria melhor fazer isso em BH ou São Paulo: em cidades grandes as pessoas não se conhecem e fazem poucas perguntas.

Tudo checado, acho que não nada melhor para se fazer.

Zé Acácio

– Bem... o pior que pode acontecer é eu ser queimado por uma luz fugidia...

Comento com Marília em tom jocoso. Acho que posso me perdoar algum humor negro nesta situação. Sem pensar muito eu a abraço. Ela comenta que minha pele não está tão fria para um suposto cadáver.

Zé Acácio

– Acho que sou um vampiro saudável... hehehe. Bem, não sabemos nada sobre estas coisas, nem como se parecem. Conversei com minha mãe enquanto estava no banheiro e ela me disse que havia milhares de vampiros no mundo. Se escondem tão bem é porque devem ser pessoas como eu – agora suspeito até que o monstro que me transformou poderia ser um tipo de exceção, talvez algum psicopata. Duvido que haja algum outro por aqui, mas creio que se for a uma metrópole poderei encontrar semelhantes e obter respostas. – Hoje já é sexta-feira, querida. Não poderei sair daqui durante o dia, então você terá que arrumar um tempo para arrumar algumas coisas. É melhor assumir que tudo sobre vampiros é verdade. Então precisamos de estacas, alho, bala de prata... tudo que serve contra estas criaturas.

Olho no relógio, já é quase cinco e meia. Eu chequei no meu celular e o amanhecer era às sete horas. Não tinha certeza do que ocorreria quando o sol nascesse, mas não sentia nenhum "frio no estômago" ou outra sensação comum. Acho que estou mesmo morto.

Zé Acácio

– São? Tem certeza? Bom... mas é melhor prevenir que remediar. Se tem vampiro por aí, deve ter lobisomem, saci, o escambau.

Ouvem a campainha tocar.

Zé Acácio

– É o Duarte. Vou lá atender.

Depois de conferir no sistema de monitoramento – que ele podia acessar pelo telefone mesmo – ele abre o portão com o controle e se prepara para contar a história arranjada antes.

"Ótimo, ele trouxe o pior deles. Embora não precise se apresentar também, né, Tonho? Todo mundo sabe que somos parentes..."

Zé Acácio

– Boa noite, Doutor. Boa noite, Sr. Fernandes. Podem entrar...

Falo com um tom que pretende soar um pouco nervoso – afinal, eu havia acabado de passar por uma situação traumática.

Zé Acácio

– Por favor, entrem.

Levo-os para a sala de estar que fica na frente da casa – assim eles não podem ver a casa da piscina. Não creio que Cráudio vai se incomodar com as "mudanças", mas é melhor prevenir.

Quando estão bem colocados, eu me sento preparando para dar as respostas. Isaura, a empregada, aparece – imagino que Marília a acordou para servir o café para as "visitas". De fato ela traz e põe o café na mesa, enchendo três xícaras. Eu deveria beber isso? Bom, acho que não faz mal...

Quando enfio aquilo na garganta algo horrível acontece. Eu simplesmente boto o café todo pra fora! É horrível, como se vomitasse tudo! Isaura me olha horrorizada e pergunta se estou bem.

Zé Acácio

– Não, eu, eu... acho que não estou bem...

Nosso Senhor Jesus Cristo! Eu não consigo comer nem beber nada além de sangue! Eu imaginei que não conseguiria me sustentar, mas isso... merda, eu tenho que testar melhor este corpo novo. Farei isso durante o dia, enquanto estiver escondido – isto é, se não cair duro como um cadáver! Vampiros dormem durante o dia, não é? Será que sou obrigado a dormir?

Eu me limpo com um lenço, pedindo mil desculpas por aquilo. Duarte me olha de um jeito de "que diabos está fazendo?" Não me culpe! Eu não sei nada sobre isso!

Sugiro trocarmos de lugar e os levo à biblioteca – que também serve como meu escritório, pois sempre gostei de estar entre livros. Isaura fica limpando o lugar, pobre mulher.

Finalmente, com todos nós refeitos, eu me sento atrás da mesa enquanto os investigadores ficam diante de mim. Devo dizer que isto até que não foi ruim... deste modo eu acabo ocupando um lugar no ambiente que reforça minha posição social. Nunca gostei de ostentar estas coisas, mas acho que pode servir agora.

Zé Acácio

– Novamente, peço desculpa aos senhores por aquilo. Ainda não me recuperei do ataque... foi um pesadelo. Por favor, vamos continuar.

Me preparo para responder suas perguntas.

Conscientemente, Zé respira fundo – curioso como um hábito normal agora precisa ser deliberadamente executado.

Zé Acácio

– Bem, eu... Ildalino e eu fomos beber esta noite. Ele vai... ia. Ele ia entrar de férias agora e iria viajar com sua família para visitar os pais. Desde o início da pandemia que não os vê. – Fomos beber, era pra ser uma "despedida", por assim dizer. Encontramos um pessoal no bar, nos divertimos, então voltamos para casa. No meio do caminho fomos... atacados. Era... era um monstro. A onça, quero dizer. Na hora era uma coisa cheia de garras e presas, horrível. Saltou sobre o pobre Ildalino e... por Deus...

Eu me sinto recordar a situação. Podia ver o Ildalino me encarando, seus olhos arregalados em dor e horror.

Zé Acácio

– Os sons... ele... ele não teve chance! Eu... eu corri, me escondi no mato. Depois que o bicho foi embora, eu tentei ajudar, mas... ele já estava... já estava... morto. Eu estava tão atordoado que vim direto para casa, tomei banho... e liguei pra delegacia. Parecia o certo a se fazer.

Me sinto mal, algo dentro de mim se convulsiona. Mãe disse que há um monstro dentro de mim e deve estar certa, mas não é só isso. Há o Homem também. E o Homem está aterrorizado.

Agradeço aos policiais e despeço-me deles, acompanhando-os até o portão. Então volto para dentro e encontro Marília na sala, à espera.

Zé Acácio

– É isso. Creio que não haverá mais perguntas sobre Ildalino. Eu vou fingir estar doente por alguns dias, infelizmente terá que ir ao funeral em meu lugar, Marília. Semana que vem, depois da missa de sétimo dia, eu chamarei Rita aqui e vou me comprometer a cuidar da família dela. É o mínimo que posso fazer.

Marília cruza os braços e fala em um tom preocupado.

Marília Acácio

– Uhum... como você está, Zé?

Zé Acácio

– Pra ser sincero, Marília... não sei. Me sinto horrível por Ildalino, mas também sinto muita raiva. Raiva deste sujeito que decidiu destruir minha vida. Quanto mais eu penso nisso, mais me ocorre que não se trata apenas de "ser um vampiro". Eu também sou um vampiro e não sinto vontade de destruir a vida das pessoas deliberadamente. Não, acho que meu algoz é o verdadeiro monstro aqui. Preciso encontra-lo.

Finalmente minha esposa aproxima-se de mim e me abraça.

Marília Acácio

– Eu ainda me sinto muito confusa com o que está acontecendo, mas não vou te abandonar nesta hora – eu te amo, Zé.

Nos beijamos e então percebo como meu corpo não corresponde aos meus sentimentos – não há aquela prazerosa palpitação quando estou com ela nem a excitação com seu cheiro. Há o amor, disso não tenho dúvida, mas falta... paixão.

Nos afastamos. Eu pego meu laptop e algumas outras coisas – se vou passar o dia na casa da piscina, melhor levar algo pra ler também.

Marília Acácio

– Vou tentar dormir mais um pouco e pela manhã irei visitar Rita e resolver a questão do Ildalino. Deixarei claro que não iremos abandona-la. Também vou conversar com o Antônio, já que ele sabe de tudo. Não vou pra prefeitura, vou ligar lá e deixar o pessoal cuidar das coisas. Afinal de contas a SEMG não é enfeite. E vou pedir para o Célio dar uma força, ele tem que merecer o salário também.

A SEMG era a Secretaria Municipal de Governo e Célio Cantareira era o vice-prefeito. Bem, a cidade podia se governar sozinha por alguns dias, eu acho.

Eu pego minhas coisas e vou para a minha "casinha de cachorro". Ou deveria dizer "casinha do vampiro"? Talvez eu devesse por um mausoléu na propriedade... hehehehe

Eu apaguei! Desliguei como uma lâmpada queimada, como um computador que subitamente perdeu a energia!

Não estava preparado para isso. Imaginava que sentiria sono enquanto o dia avança, que simplesmente seria "trocar o dia pela noite". Isso... ainda estou chocado.

E tem essa... fome. Lá no fundo. Não é algo absurdo, não é insuportável. É só aquela coisinha pequena lembrando que falta alguma coisa. Acho que preciso... me alimentar. De sangue.

Mas posso me controlar por hora, não é horrível. Preciso tentar conseguir algo do hospital. Não é como se pudesse simplesmente sair mordendo as pessoas por aí, como um animal. Nunca mais farei aquilo novamente.

Era nove e meia da noite. Um pouco tarde, o sol já havia se posto há algum tempo. Eu saio da casa e vou pra casa principal. Preciso ver como as coisas estão.

Zé assente, entendendo.

Zé Acácio

– Um pouco melhor, mas dormi o dia todo. Apaguei no comecinho do dia.

Ele se senta ao lado dela e passa o braço por trás de seus ombros.

Zé Acácio

– Como foi hoje?

Zé Acácio

– Irei visita-la amanhã e conversaremos sobre isso.

Zé ficou pensando no que mais havia pra fazer.

Zé Acácio

– Conversou com o Tonho?